Crônicas
Crônica :: Marechal Hermes
Estou em Marechal Hermes. Fui transportado para cá . Não sei por onde entrei. Estou na fila, junto com outras pessoas, esperando o trem chegar. Dá para sentir o cheiro da estação, da gente em volta, do óleo diesel, do ambiente maravilhoso dessa linda construção. O tempo está meio escuro, mas a temperatura é agradável. O céu, meio nublado, permite ver o recorte das montanhas ao fundo. Resolvo sair da fila e vir para o sol, sentar-me ao banco. Na minha frente, um garoto vem me vender amendoim. Me dá bom dia e pergunta: “O senhor não é daqui, é?” Indaguei: “Como você sabe?” Ele responde: “Ah, eu conheço todo mundo. Vendo amendoim aqui desde pequenino. O senhor é de onde?” Digo: “Eu entrei no quadro”. “Como?”, se espanta o garoto. “Que me lembre, estava numa exposição de pinturas do Renato Salles. Olhei o quadro, vi uma porta e entrei. Vim rever Marechal Hermes que não via há muito tempo. Tudo parece uma pintura. Os tons são lindos, as cores passeiam por todos os lados. A beleza do lugar se revela nas pinceladas fortes do artista. Deslizam pela paisagem, misturando-se umas às outras, evocando formas, detalhes, realçando nossos costumes, nosso dia a dia, nossas origens. Porque, na magia dos tons e no calor das cores, lá se capta indefinível nostalgia que nos remete também a tempos idos, de saudosa memória.” Os olhos arregalados do menino percorreram o entorno e com um sorriso de felicidade e pertencimento mergulhou na cena amiga e aconchegante.
As cores disputam entre si o privilégio de traduzir a inspiração do artista, ora fundindo-se, ora separando-se, e revelam os trilhos, o céu, os prédios velhos, as montanhas, a luz, a sombra, entrosamento perfeito que culmina numa unidade e beleza e que dá a cada quadro uma identidade própria, fiel a suas raízes. Esta é a arte de Renato Salles: prende o olhar, cativa, leva o observador a desejar admirá-la e fazer parte dela. Se eu pudesse, ainda estaria lá em Marechal Hermes, mas preciso voltar: tenho compromissos…
J. Araujo Naïf